A Deteção Remota é considerada uma técnica de observação de objetos e fenómenos à distância. Deste modo, pode dizer-se que os primeiros dados de Deteção Remota foram obtidos em 1858/59, em Paris, na forma de fotografia aérea, por Gaspard-Félix Tournachon, a partir de um balão de ar quente [0].
Mais tarde, em 1906, foi captada uma outra imagem aérea emblemática, por George Lawrence, mostrando a devastação provocada pelo sismo de São Francisco. Esta foi obtida por uma câmara com cerca de 22Kg, instalada a bordo de um papagaio [2].
Os grandes avanços na Deteção Remota deram-se durante as duas Grandes Guerras e durante a Guerra Fria. Com o términos desses conflitos, a técnica disseminou-se pela comunidade civil, aumentando progressivamente o leque de aplicações, sendo hoje infindável a lista de opções de utilização de dados de sensores remotos. Cartografia, agricultura, florestas, hidrologia, geologia, oceanografia, meteorologia, monitorização de fenómenos ambientais, de catástrofes naturais e tecnológicas, são apenas algumas das suas aplicações mais comuns.
Assim, a Deteção Remota é definida como a ciência da aquisição, processamento e interpretação de imagens obtidas por meios aéreos e por satélite, que registam a interação entre o terreno e a radiação eletromagnética. Dado que o conceito de Deteção Remota implica um distanciamento importante entre o sensor que capta o sinal e o objeto observado, esta pode ser considerada como o processo subjacente a todas as formas e técnicas de medição, tratamento e interpretação de fenómenos longínquos.
A Deteção Remota por satélite baseia-se no princípio de que todos os objetos da superfície terrestre interagem com a energia que recebem do Sol, ou do próprio satélite (no caso de sistemas de Deteção Remota ativos), sob a forma de energia eletromagnética (Rabaça, 2001 [4]).
Os principais sistemas de Deteção Remota dividem-se, portanto, entre:
- Sistemas óticos, que detetam a radiação eletromagnética refletida ou emitida pela superfície terrestre, designados sistemas de Deteção Remota passivos;
- Dispositivos de microondas, designados RADAR (“RAdio Detection And Ranging”) que, quando produzem o sinal que ilumina o alvo, são designados sistemas de Deteção Remota ativos (Fonseca & Fernandes, 2004 [6]).
Os sistemas óticos centram-se numa parte do espectro que inclui a luz visível (aquela que é percetível pelos nossos olhos) e a radiação infravermelha (invisível para os nossos olhos). Esta região específica é onde tende a concentrar-se a maior parte da energia proveniente do Sol, que atinge a atmosfera terrestre, e onde a maioria dos processos vivos ocorrem, como por exemplo, a fotossíntese das plantas. Existe, nesta zona do espectro, uma denominada “janela atmosférica”, que permite a passagem de quase toda a radiação solar, através da atmosfera. Noutras zonas, como é o caso da região do ultravioleta, a atmosfera, através da camada do Ozono, absorve praticamente a totalidade da radiação solar.
Deste modo, percebe-se que os sensores instalados a bordo dos satélites conseguem captar radiação para além daquela que os olhos humanos conseguem percecionar, e isso trouxe grandes avanços à Observação da Terra.
Por exemplo, a clorofila das plantas, que conduz a fotossíntese, absorve a parte visível da radiação eletromagnética, essencialmente nos comprimentos de onda do azul e do vermelho. Já na região do infravermelho próximo (NIR), os pigmentos de clorofila não absorvem tanto a radiação, sendo grande parte dessa energia refletida, podendo ser captada pelos sensores infravermelhos dos satélites.
A imagem apresenta a curva espectral característica da vegetação, onde se pode observar precisamente esse comportamento, com dois picos de absorção na zona do azul e do vermelho (cerca de 90% da radiação é absorvida), e um pico de transmissão na região do infravermelho próximo (cerca de 40 a 50% da energia é refletida). O pequeno pico de refletância na zona do verde, é aquele que confere a tonalidade verde à vegetação aos olhos humanos.
Assim, as plantas aparecem muito brilhantes e claras nas imagens / bandas do infravermelho próximo. Quanto mais clorofila estiver presente na planta, mais saudável ela é, mais ativa é fotossinteticamente e mais refletância apresenta nessas bandas. O contraste da resposta da vegetação ao longo do espetro eletromagnético, permite criar imagens e índices (como por exemplo, o NDVI [8]), onde se distinguem claramente zonas com e sem vegetação, bem como permite fazer a distinção entre tipos e estádios de desenvolvimento da vegetação. No infravermelho médio, observam-se três comprimentos de onda de forte absorção da radiação, devido essencialmente ao conteúdo em água da vegetação.
Desta pequena introdução se percebe a importância e o potencial da Deteção Remota nos diversos domínios do saber.
Contudo, existiram durante bastante tempo, duas grandes limitações à sua utilização generalizada, que se prendiam, essencialmente, com os custos das imagens e dos respetivos softwares de processamento.
Esta realidade começou a alterar-se com a disponibilização aberta e gratuita dos dados do programa norte-americano de Observação da Terra, Landsat [9], cujo primeiro satélite foi lançado em 1972 (Landsat 1), encontrando-se atualmente em órbita o Landsat 8, lançado em 2013.
Mais recentemente, numa parceria entre a Comissão Europeia e a Agência Espacial Europeia (ESA), foi desenvolvido o programa Copernicus, do qual fazem parte 6 missões Sentinel, e que prevê uma continuidade a longo prazo e uma complementaridade entre os diversos sensores e instrumentos, para variadíssimas aplicações, desde as mais científicas, às mais aplicadas, disponibilizando essa informação, de forma aberta e gratuita, sem interrupções ou hiatos. Dessas 6 missões, 3 já possuem satélites em órbita:
- Sentinel-1: constelação de 3 satélites (2 já lançados) que usam sensores RADAR, com o objetivo de monitorizar a Terra sólida – topografia, geologia, catástrofes naturais, calotes polares e sua dinâmica, etc.;
- Sentinel-2: constelação de 2 satélites, o primeiro lançado em 2015 e o segundo previsto para 2017, que usam sensores óticos multiespetrais, de alta resolução espacial (até 10m) e temporal (5 dias, a partir do lançamento do 2.º satélite). Têm como objetivo a monitorização da vegetação, solo, águas interiores e zonas costeiras, assim como o apoio aos serviços de emergência;
- Sentinel-3: constelação de 2 satélites, tendo o primeiro sido lançado recentemente, com a finalidade de monitorizar a superfície, a cor e a temperatura dos oceanos e dos continentes;
- Sentinel-4 : nova geração de satélites meteorológicos (geoestacionários);
- Sentinel-5 : nova geração de satélites meteorológicos de órbita polar;
- Sentinel-6 : nova geração de satélites de monitorização do nível do mar.
A outra limitação referida, relativa aos custos dos softwares, também já foi amplamente ultrapassada, existindo, neste momento, diversos softwares open source de Deteção Remota [10] [11], onde também se inclui o SNAP da Agência Espacial Europeia [12] e, naturalmente, o QGIS, que possui cada vez mais valências para Deteção Remota e Processamento Digital de Imagem, ao integrar ferramentas do GRASS [13], SAGA [14], Orfeo [15], GDAL [16] e o Semi-Automatic Classification Plugin [17].
O Semi-Automatic Classification Plugin (SCP) é um projeto desenvolvido pelo Luca Congedo [18], um Engenheiro do Ambiente e investigador, que trabalha na área dos Sistemas de Informação Geográfica e da Deteção Remota desde 2009. O SCP é um plugin para o QGIS, que permite descarregar imagens Sentinel-2, Landsat e ASTER, fazer o pré-processamento, a classificação e o pós-processamento, de forma bastante simples e ágil, encontrando-se totalmente integrado no QGIS.
Este plugin possui um manual bastante completo e abrangente, sendo ainda complementado por uma série de vídeos/tutoriais disponibilizados pelo próprio autor [17]. Para além destes, começa a haver um grande conjunto de tutoriais dispersos pela Internet, sobre a utilização do SCP. O melhor e mais completo exemplo, em língua portuguesa, é o conjunto de tutoriais, em vídeo, disponibilizados pelo Professor Gonçalo Vieira [19], docente do IGOT (Universidade de Lisboa) e investigador do Centro de Estudos Geográficos, como suporte à unidade curricular de Deteção Remota e SIG aplicados ao Ordenamento do Território. Como se irá ver de seguida, este conjunto de vídeos percorre os diversos passos de um projeto de Deteção Remota.
O exemplo irá debruçar-se sobre a utilização de imagens do satélite Sentinel-2A, da ESA.
O gráfico seguinte apresenta, em comparação, as bandas dos satélites Sentinel-2, Landsat 7 e Landsat 8.
1) Instalação do Semi-Automatic Classification Plugin (SCP)
O processo de instalação do SCP é feito exatamente da mesma forma que os restantes plugins. É, no entanto, necessário ter instalados, previamente, alguns pacotes de software, que são requisitos do SCP, nomeadamente: GDAL/OGR, Numpy, SciPy e Matplotlib. À partida, e independentemente do Sistema Operativo em que se estiver a trabalhar com o QGIS, o GDAL/OGR e o Matplotlib estarão já instalados, pois são acrescentados, por defeito, durante a instalação do QGIS. Os outros dois módulos (Numpy e SciPy), que acrescentam capacidades de computação científica à linguagem de programação Python, poderão, ou não, estar instalados. Este processo depende também do Sistema Operativo e da forma que se utilizou para a instalação do QGIS.
Linux – usar um gestor de pacotes gráfico, como o Synaptic, ou a consola / terminal simplesmente com:
sudo apt-get install python-numpy python-scipy python-matplotlib
Windows, instalação via OSGeo4W – basta abrir o OSGeo4W, selecionar “Advanced Install”, pesquisar e instalar os pacotes (Libs) python-numpy, python-scipy e matplotlib, caso não estejam já instalados.
Windows, instalação Standalone – à partida os pacotes estarão instalados mas, caso não estejam, sugere-se seguir o tutorial de instalação do plugin photo2shape [21], na parte que diz respeito à instalação/utilização do PyPi (Python Package Index).
Depois destas dependências satisfeitas, instala-se o SCP propriamente dito, a partir do menu Módulos -> Gerir e Instalar Módulos. No gestor de módulos, faz-se a pesquisa por “Semi-Automatic Classification” e “Instalar módulo”.
2) Aquisição dos Dados / Imagens
Existem inúmeras formas de aceder às imagens dos sensores de Deteção Remota, podendo o download ser feito a partir dos sites das respetivas agências [22] [23], ou de sites de terceiros.
Contudo, o SCP facilita muito essa tarefa, na medida em que é possível fazer o download das imagens, diretamente a partir do QGIS. O vídeo seguinte (em inglês) apresenta o processo de download de imagens Sentinel-2 a partir do SCP (até ao minuto 4:41):
3) Pré-Processamento das Imagens – Correção Atmosférica
O primeiro passo, após o download das imagens, consiste na aplicação da correção atmosférica (conversão do valor dos pixéis para reflectância). Este processo é explicado no vídeo seguinte, do Professor Gonçalo Vieira:
4) Pré-Processamento das Imagens – Recorte pela Área de Interesse
As imagens Sentinel-2 têm uma grande extensão espacial e são bastante pesadas. Uma imagem Sentinel-2 completa possui mais de 6 GB e abrange uma faixa com 290 km de largura. No SCP é possível fazer o download de “granules” individuais mas, mesmo essas, possuem 109,8 km de lado, o que perfaz mais de 12.000 km2 de área, por cada “granule” individual.
Assim, é recomendável recortar as diversas bandas da imagem pela área de interesse, antes de efetuar qualquer processamento subsequente.
5) Criação de Imagens Compósitas RGB
Um primeiro procedimento conducente à interpretação das imagens de satélite, consiste na criação de imagens RGB, isto é, imagens coloridas, que agregam informação de 3 bandas individuais, cada uma das quais pertencente a uma região específica do espetro eletromagnético. Este processo permite evidenciar, por exemplo, características que não são percetíveis ao olho humano, pois correspondem a regiões diferentes do visível.
6) Classificação da Imagem
Um dos processos fulcrais de análise de uma imagem de satélite consiste na sua classificação, que tem como principal objetivo a criação de cartografia temática, representativa da superfície terrestre. O comportamento de um dado objeto ao longo do espectro eletromagnético traduz-se na sua assinatura espectral. A classificação surge como um processo de extração de informação que analisa as assinaturas espectrais de cada pixel, separando-os em classes consoante a similaridade das suas assinaturas, a qual é determinada pela refletância relativa do pixel ao longo dos diferentes comprimentos de onda [4].
Existem dois tipos básicos de classificação digital:
- Classificação Não-Supervisionada, na qual o software separa os pixéis por classes, sem qualquer tipo de intervenção do operador;
- Classificação Supervisionada, na qual o operador define, na imagem, áreas, designadas “áreas de treino”, que são representativas de cada classe.
6.1) Classificação Não-Supervisionada
Este tipo de classificação é útil quando não se dispõe de um conhecimento prévio da área de trabalho. O método parte do pressuposto de que, considerando que as diferentes assinaturas espectrais se aglomeram, formando distintas classes espectrais, então estas deverão corresponder a diferentes classes temáticas.
No vídeo seguinte, o Professor Gonçalo Vieira apresenta duas formas de proceder à classificação não-supervisionada de imagens, através da aplicação de uma classificação em clusters, no QGIS.
6.2) Classificação Supervisionada
A classificação supervisionada requer um conhecimento prévio do terreno e implica a seleção de pequenas áreas representativas das classes, que posteriormente são utilizadas como referência estatística de toda a classificação. A fase que consiste na delimitação das várias classes que entram na classificação denomina-se fase de treino e é dela que depende, em grande medida, o sucesso da mesma.
Este processo é muito bem explicado pelo Professor Gonçalo Vieira no vídeo seguinte.
7) Pós-Processamento – Avaliação do Erro Associado à Classificação
A avaliação quantitativa do erro associado a cada uma das classes resultantes do processo de classificação é um passo fundamental para determinar a precisão do mapa temático obtido e para validar os resultados. Esta tarefa consiste, basicamente, no confronto entre o mapa classificado e um conjunto de amostras independentes, isto é, amostras de classes conhecidas (áreas de validação) que não foram utilizadas como amostras de treino para o classificador, de forma a realizar uma classificação cruzada, que gera uma tabela ou matriz de contingências. No vídeo seguinte, o Professor Gonçalo Vieira mostra como gerar essa matriz no QGIS, com o SCP.
Desta forma, ficam patentes os principais procedimentos envolvidos num projeto de Deteção Remota com sensores óticos. Note-se que se podem utilizar exatamente os mesmos procedimentos, com imagens Landsat ou ASTER, ambas acessíveis diretamente a partir do SCP.
O Semi-Automatic Classification Plugin dispõe, ainda, de diversos recursos adicionais, tanto de pré- como de pós-processamento, permitindo também executar operações de álgebra de mapas entre as diversas bandas das imagens, assim como correr as diversas ferramentas em modo “batch”.
O SCP veio, sem dúvida, enriquecer de forma substancial o QGIS em
termos de capacidades no âmbito da Deteção Remota e do Processamento
Digital de Imagem.
Agradecimentos Especiais
Professor Gonçalo Vieira [19], pelos contributos e pela disponibilização da série de tutoriais aqui apresentados.
Luca Congedo [18],
pelo desenvolvimento do SCP e pela elaboração do respetivo manual,
conteúdos e tutoriais em vídeo, um dos quais aqui apresentado.
Referências
[0] https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9lix_Nadar
[1] http://www.proprofs.com/flashcards/story.php?title=history-of-photography-midterm
[2] http://www.bigmapblog.com/2012/kite-photo-of-post-quake-san-francisco-1906
[3] http://earthquake.usgs.gov/regional/nca/1906/kap/lawrence.php
[4] Rabaça, Teresa – Caracterização Geoambiental da Região de Penamacor-Idanha por Aplicação de Técnicas de Detecção Remota. Coimbra: Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2001. Dissertação para obtenção do grau de Mestre.
[5] http://www.seos-project.eu/modules/remotesensing/remotesensing-c01-p01.html
[6] Fonseca, Ana & Fernandes, João – Detecção Remota. 1a Edição. Lisboa: Lidel, 2004.
[7] http://www.gov.scot/Publications/2009/11/06110108/6
[8] https://en.wikipedia.org/wiki/Normalized_Difference_Vegetation_Index
[9] https://en.wikipedia.org/wiki/Landsat_program
[10] http://gisgeography.com/open-source-remote-sensing-software-packages
[11] http://www.grss-ieee.org/open-source-software-related-to-geoscience-and-remote-sensing
[12] http://step.esa.int/main/toolboxes/snap
[16] http://www.gdal.org
[17] https://fromgistors.blogspot.com
[18] https://www.linkedin.com/in/lucacongedogis
[20] http://landsat.gsfc.nasa.gov/sentinel-2a-launches-our-compliments-our-complements
[21] http://qgis.pt/blog/2015/10/02/importar-fotografias-georreferenciadas-para-o-qgis
[22] https://scihub.copernicus.eu
[23] http://earthexplorer.usgs.gov
Venâncio, Pedro – Aplicação de Dados de Detecção Remota à Cartografia Geológica da Região de Viseu. Coimbra: Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2007. Estágio Científico da Licenciatura em Geologia.